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O meu clássico

O meu clássico

Quarta feira. Dezassete horas. Se viesse, a nomeação para o grande jogo estaria a chegar, por email. Tal como todas as outras, todas as semana, todas as épocas.

Estava expetante, confesso. Sabia que a época estava a correr-me bem e que não tinha qualquer impedimento regulamentar. Sentia-me em forma, motivado e confiante. Podia ser uma das opções. Sem dúvida que podia.

Para um árbitro, a nomeação para um jogo deste calibre – de importância assinalável, que agarra a imprensa e atrai milhões –é um momento marcante, importante. Tão importante como é para o jogador que luta para ser titular ou para o treinador que quer ir para o banco e vencer.

São jogos especiais. Daqueles que fazem parar o país por um bom par de horas. São jogos diferentes. Emocionalmente diferentes.

Vi o mail várias vezes. Vezes sem conta. Uma e outra e outra vez ainda. Nada. Confirmava até as mensagens recebidas no spam. Nunca confiando. Mas não. Nada.

Nada de nada.

Perdia a fé momentaneamente. Achava que aquele já não era para mim. Pouco depois, fé renovada. Pensava exatamente o oposto: “Mas porque raio é que não há-de ser para mim? Claro que pode ser para mim.”

Voltava ao mail. Refresh. Nada. Novo refresh. Zero.

Nem um mail. Nem sequer do Odisseias, com uma daquelas ofertas tentadoras de última hora.

De repente…plim. A palavrinha mágica. Plim.

O computador disse qualquer coisa que o écran traduziu, numa caixa bem centrada, à minha frente: “Tem uma nova mensagem.”

Nunca pensei que aquela frase, tantas vezes tão banal, pudesse ter todo aquele peso em mim. Sobre mim. “Será? Mas… e se não for? Não te desiludas, Duarte. Não és o único com vontade de lá estar e há também quem mereça, se calhar mais do que tu.”

Vamos lá acabar com este suspense de vez. Abri. Olhos como janelas semi-cerradas, cujas cortinas se iam abrindo lentamente. Para a pancada não doer tanto.

“Mail da Liga Portugal.” Pronto. Jogo tinha de certeza… mas seria o tal?

Duarte Gomes.
Nomeado para o clássico tal.
Dia X, hora Y.

Que frio na barriga. Bolas. Parece que ainda o sinto. Que adrenalina. Que felicidade! “Controla-te, coração. Até parece que andas nisto há pouco tempo…”

Mas não. Nada a fazer. Alegria imensa, pura, genuína. Quando se gosta muito do se faz, quando se trabalha com os melhores para estar entre os melhores, queremos muito que algo de bom aconteça. E quando acontece, não há volta a dar: ficamos felizes. Ficámos felizes porque queríamos estar lá. No palco dos palcos. No jogo dos jogos. No grande momento.

Não importa o depois. Não importa a pressão, o ruído ou as consequências horríveis de uma noite menos feliz, até porque isso não vai acontecer. Não pode. Vai correr tudo muito bem e eu vou fazer por isso.

Aquele é o meu momento. Sabem como o sentimos? Como se fossemos crianças gulosas a saborear o noss chocolate favorito…

Naqueles segundos, a sensação é irrepetível. Indiscritível. Que bem que sabe ter a honra de ser escolhido para estar no jogo que pode decidir tudo.

“Mãe, confirma-se. Sou eu quem vai para o clássico!! Não contes a ninguém, por favor!!”

Euforia saboreada durante uns valentes minutos.

Aos poucos, a taquicardia regride, o coração volta ao normal, a temperatura baixa. “Chega, Sr. Duarte. Chega! Deixaste as emoções brincar, sentiste o que tinhas a sentir… agora toma conta das operações, por favor.”

É tempo de serenar.

É tempo de parar para pensar. De começar, aos poucos, a planear tudo. Com ponderação, sensatez, maturidade. Tudo mesmo, até ao mais ínfimo pormenor.

É tempo de falar com os colegas.

De começar a pensar nas cargas de treino até lá. De pensar sobre descanso e refeições. É tempo de preparar a deslocação para o estágio. Para o estádio. É tempo de articular pormenores: a roupa, os equipamentos, as malas de jogo.

É tempo de estudar as equipas. Os jogadores. O ambiente. As condições do tempo. O estado do relvado. A luz artificial.

Tudo. É tempo de fazer tudo para que tudo possa correr na perfeição. É tempo de preparar porque a sorte… a sorte, nesta guerra, dá trabalho. Muito trabalho.

Venham eles…

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