O erro que hoje prejudica, amanhã beneficia. E toda a gente sabe disto, menos quando faz de conta que não sabe.
Já aqui partilhei algumas situações caricatas que ocorreram ao longo da minha carreira de árbitro.
Foram às dezenas (ou talvez mais) as peripécias vividas ao longo do tempo que estive no ativo.
Deu para tudo, como é óbvio: muitas histórias foram engraçadas e divertidas. Outras foram tristes e difíceis de ultrapassar. Várias foram gratificantes e entusiasmantes. Memoráveis até.
Mas, como o caro leitor seguramente compreenderá, coisas assim não se partilham do nada. Sem um objetivo. Sem algo em mente.
O motivo foi sempre muito claro: queria que mais e mais pessoas se identificassem com aquela que é a vida e missão dos árbitros de futebol.
Queria que o adepto comum – o adepto que aplaude, assobia e contesta – sentisse, nem que fosse por breves instantes, o que é estar na pele de um árbitro dentro e fora do relvado. Antes, durante e depois do jogo.
Queria que percebessem a dimensão da euforia quando as coisas lhe correm bem e o alcance devastador da angústia quando tudo parece correr mal.
Queria que sentissem a intensidade de cada um desses momentos. A súbita alteração de humor, o disparo vertiginoso de adrenalina, a descida inesperada ao inferno.
O objetivo é demasiado ambicioso. Eu sei.
Não é fácil pegar na pena e escrever uma série de coisas que muitos verão como desculpas esfarrapadas ou camuflagem para esconder erros visíveis.
Não é fácil pedir que saiam da vossa zona de conforto e viajem rumo a uma realidade que não respeitam, não gostam e não confiam.
Mas o desafio é exatamente esse.
A partir do momento em que o papel do árbitro parece ser tão determinante nas emoções dos adeptos, faz todo o sentido que se tente transportar algumas das vivências deste para a vida daqueles.
Essa ideia ganha mais força se pensarmos que a relação entre ambos é quase direta: enquanto uns atuam em campo, outros falam, criticam e julgam o seu trabalho cá fora.
As coisas são como são mas não têm que ser sempre assim.
Se é para ensinarem ao padeiro como deve fazer os seus pães, ao menos que passem uns minutos na padaria de vez em quando.
Saibam, por exemplo, que errar, para qualquer árbitro de futebol, é horrível. É o pior que pode acontecer. Errar não diverte, não alegra nem anima uma única pessoa que esteja na arbitragem.
Errar é sinónimo de fracassar. De fazer mal o papel que todos querem fazer bem. De dar ao mundo carta branca para o mundo fazer o que faz melhor: suspeitar, ofender, ameaçar, agredir.
Quando um jogo corre bem (que é como quem diz, quando termina e ninguém fala da equipa de arbitragem) a sensação é de alívio. É de paz, de gratidão e orgulho.
Quando corre mal… esqueçam o jantar pós-jogo, as brincadeiras para descomprimir, a semana divertida.
É sempre difícil de lidar. Sempre foi. E vai ser sempre. Por muito que “faça parte”, por muito que o equívoco seja característica da função de decidir, errar é devastador.
Consome por dentro. Magoa. Revolta. Agonia.
Cria conflitos internos, envergonha perante a família e amigos, incomoda perante quem tanto espera que acertem.
Quando virem um árbitro errar – ainda que ao erro esteja subjacente a sua maior ou menor competência, maior ou menor experiência – nunca, mas nunca pensem que ele vai para casa a sorrir.
Nunca pensem que vai adormecer feliz e acordar bem disposto. Não vai. Nunca vai.
Mais tolerância, mais respeito, mais compreensão. Não têm que aplaudir, não têm que gostar nem têm que calar.
Saibam aceitar. É que o erro que hoje prejudica, amanhã beneficia. E toda a gente sabe disto, menos quando faz de conta que não sabe.
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