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A mentira é a melhor das verdades

A mentira é a melhor das verdades

Nunca ouviram falar na máxima que dá título a esta crónica, pois não? Isso é porque ela não existe. Inventei-a agora porque achei que assentava que nem uma luva no tema que hoje quero abordar. Sentem-se e apertem o cinto. A viagem será curta mas turbulenta. Preparados? Tenho novidades bombásticas:

– A maioria dos árbitros de futebol tem um clube da sua preferência, da sua simpatia! Sim! Eu sei! É surreal, mas é mesmo verdade e estava mais do que na hora de denunciar esta vergonha. Quando tiraram o curso (a maioria aos 18 anos), esses então candidatos a árbitros, além de jovens adultos, eram pessoas. Eram gente. Gente como o caro leitor e a sua família. Gente como os seus amigos, vizinhos e colegas de trabalho. Com 18 anos, aqueles miúdos(as) tinham bem definidas várias ideias para as suas vidas: além de clube, tinham também simpatia política e crença religiosa, sabiam se gostavam de carne ou de peixe, de cerveja ou vinho, de preto ou branco. Tinham escolhido o curso que queriam frequentar ou a carreira que queriam seguir. Sabiam todas as pequenas coisas que o caro leitor sabia… na idade deles. Eu sei que esta bomba roça o escândalo e que é muita informação para absorver, mas peço-lhe compreensão, porque há mais! É que também os treinadores, jogadores, dirigentes, jornalistas, comentadores e adeptos da nossa praça eram assim, aos 18: miúdos(as) com escolhas, gostos e simpatias pessoais! Na prática, o que esta notícia inacreditável significa é que o nosso futebol profissional – o que hoje vemos, lemos e ouvimos a toda a hora – está entregue a esta gente.

Eles jogam, apitam e treinam. Comandam, narram, analisam, aplaudem e criticam. Não há um que escape: estão no relvado, nos bancos técnicos e na bancada, na tribuna, nas estruturas e nos centros de estágio, nas associações, federações e ligas. Meu Deus!! Estão em todo o lado!! E agora? E agora?? Se não fosse tão triste, esta rábula até teria a sua piada. Mas, infelizmente, a ironia deste texto – deliberadamente sarcástico – não será suficiente para fazer cair na real a mente contaminada de muito boa gente. Gente que ainda acha que um profissional sério (seja ele qual for) atua em função dos seus gostos pessoais e não do seu brio e integridade. Da sua competência e seriedade.

O caso deste cronista é paradigmático: o Duarte Gomes candidato a árbitro assumiu a sua simpatia clubista no dia em que preencheu o questionário para se inscrever no curso. Tinha os tais 18 anos e escolheu dizer a verdade. Ao longo da sua carreira nunca se escondeu quando questionado diretamente sobre o assunto: disse a verdade. Sempre a verdade. Hoje, o comentador desportivo continua a sentir, aqui e ali, o peso dessa honestidade. A força dessa opção. Profissionalmente, é importante que fique claro: estou a borrifar-me. Estou literalmente a borrifar-me para quem tende a ver os outros à sua imagem. Para quem gosta de colar pessoas a interesses, em função do objetivo pontual que persegue. Não condicionou, não condiciona e nunca condicionará a opinião, a análise ou o ponto de vista técnico. Lamento.

Pessoalmente confesso que incomoda. É triste constatar que esconder a verdade parece ser mais vantajoso do que dar a cara e não se refugiar numa neblina de omissões.  Triste país este, que quando dá jeito, escolhe usar a honestidade de uns como arma de arremesso para atingir outros. Na verdade, reitero o que sempre pensei: há muito poucas pessoas que queiram uma opinião independente. O que a maioria quer é uma que vá ao encontro da sua. Se for, ótimo. Se não for… mau, mau, Maria.

Pobreza franciscana…

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