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ANTES DO INÍCIO

ANTES DO INÍCIO

O trânsito estava um caos e cada cantinho da estrada abrigava um estacionamento de improviso. As roulotes desenhavam um cenário distinto, marcante. Memorável.

A multidão caminhava na mesma estrada que, horas antes, era percorrida por carros, motas e camiões.
É sempre assim, nos grandes jogos. A exceção a substituir a regra.
Milhares de miúdos e graúdos, centenas de cachecóis, dezenas e dezenas de polícias.
O cheiro, a energia, a intensidade, estava tudo lá. Sentia-se. Respirava-se. Não há muitas sensações como estas, acreditem.

Entramos no estádio duas horas antes do apito inicial. Tentamos passar serenidade e confiança uns aos outros, mas sentimos na pele o arrepio daqueles momentos vibrantes. São contagiantes, não há como nega-lo. Acelera-nos o coração, faz-nos suar as mãos. É uma sensação boa, muito boa. Sentimo-nos especiais, privilegiados por estarmos ali, a dirigir o jogo que milhões verão em campo e na televisão. Adrenalina e responsabilidade ocupam o mesmo espaço.

Enchemos o peito de ar, respirámos bem fundo, pegámos na mala e caminhámos a passo para o balneário. Pelo caminho, cumprimentos de circunstância a elementos das duas comitivas e a todo o staff técnico que chegara antes de nós. Todos focados, todos concentrados, todos altamente profissionais.
Já na cabine, comecámos o primeiro dos jogos. O da preparação. Revemos o countdown, reavivamos procedimentos, recordamos a estratégia combinada. Sim, nós também temos estratégias para cada jogo. Tirámos os equipamentos e preparámos, ao detalhe, todas as outras questões técnicas.

É tempo de ir cheirar a relva. Ainda de fato e gravata, enfrentamos o primeiro coro de assobios. Somos a equipa que ninguém apoia e jamais seremos imunes a esse sabor azedo. Custa sempre, embora mostremos que não.
A relva está imaculada. Um tapete perfeito. As bancadas já bem compostas. As luzes ensaiam a potência máxima. Os jornalistas, espalhados aqui e ali, fazem os seus diretos. Ali ao lado, dezenas de homens e mulheres atropelam-se em pequenas tarefas, para garantir que os patrocinadores passam as suas mensagens para o exterior.
Enquanto vemos as balizas, percebemos que fazemos parte de uma indústria poderosíssima. Aquele já não é apenas um jogo de bola. É mais, muito mais do que isso. Por momentos, sentimo-nos pequeninos. Esmagados por uma máquina avassaladora, bem maior que qualquer um de nós.
A sensação de impotência passa rapidamente. Depois do impacto inicial, voltamos a saber quem somos, onde estamos e ao que fomos.

De regresso ao balneário, preparamos o aquecimento e voltamos, agora equipados, ao relvado. Regressam, em força, os assobios mas agora já os sentimos como aplausos. Estamos imunes. Totalmente imunes.
Os minutos anteriores ao início da partida são de tensão silenciosa, miudinha, inenarrável.
No túnel de acesso, desejamos boa sorte aos atores principais do jogo. Estão perfilados, em silêncio, de olhar perdido numa zona só deles. São uns tremendos profissionais, estes homens.
A entrada em campo não é mágica, porque a magia é uma ilusão e aquela sensação não é. É real, é única e é memorável.

Hinos e tarjas, bandeiras e gritos, música e luz. Está lá tudo. Emoção, vibração, alegria.
Não há, não pode haver lugar no planeta lugar mais perfeito do que aquele. Do que aquele que se vê e sente, de dentro para fora.
Quando o jogo começa, acaba o que começou duas horas antes. Aquele que mais ninguém viu e sentiu.
O resto são noventa e tal minutos de puro espetáculo e semanas a fio de muita conversa.

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