A tecnologia já repôs a verdade desportiva em centenas de situações cruciais, mas tem falhados noutras. Porque parece mais fácil do que é.
Decorridos dois anos após a introdução da “Tecnologia VAR”, ainda são muitas as dúvidas relativas à sua utilização.
Faz sentido. Afinal de contas, estamos a falar daquela que é a maior alteração já introduzida nas regras do jogo.
Como qualquer mudança impactante, também a do “Videoárbitro” requer tempo para amadurecer e crescer.
Parece-me, por isso, pertinente recordar algumas das premissas desta ferramenta. Para si, fica o convite: veja se há algo que pode ficar a saber e desconhecia ou se há algo que não recorde e que agora vá reavivar.
1 – VAR Tecnologia & VAR Árbitro
Não são o mesmo. Complementam-se. A tecnologia, em si, é a ferramenta. A máquina, o carro de alta cilindrada. O árbitro é o seu utilizador. O operário. O condutor.
Ambos complementam-se. Um não existe sem o outro. Do trabalho dos dois resultam as intervenções, as ações e omissões. Dessa simbiose sai a indicação para a decisão.
2 – Árbitro é o líder, é quem decide
O VAR, tal como o árbitro assistente ou o 4º Árbitro, estão sujeitos à autoridade do seu chefe de equipa. Podem intervir para indicar potenciais infrações, mas a última palavra cabe sempre ao árbitro principal. Não raras vezes, as suas sugestões não são acatadas porque o poder de decidir está em quem comanda as operações dentro do terreno de jogo.
3 – Protocolo
O VAR só intervém em situações de golo, pontapés de penálti, troca na identidade disciplinar de jogadores e cartões vermelhos diretos (incluindo os relativos a incidentes isolados que o árbitro não tenha visto).
A premissa para intervenção é simples mas não raras vezes esquecida por todos nós: só pode haver indicação quando o erro cometido em campo for claro e óbvio.
Se o lance for dúbio, demasiado subjetivo ou permita várias leituras, o VAR não deve pronunciar-se.
4 – “Cláusulas excluídas”
Por outro lado, o VAR não intervém perante outro tipo de erros (ainda que evidentes), como os relativos à exibição de segundos amarelos, golos/penáltis resultantes de recomeços mal efetuados (lançamentos laterais, pontapés de baliza, de canto, etc), advertências por fazer ou mal decididas, faltas por assinalar ou mal assinaladas, entre outros.
5 – Análise de lances do protocolo
Regra – Todos os lances passíveis de revisão devem ser analisados a partir do momento em que se iniciou a respetiva jogada. Por exemplo, para analisar um possível penálti ou a validade de um golo, o VAR deve recuar até ao momento em que a equipa começou a construir a fase atacante que culminou naquela circunstância de jogo.
Exemplos práticos:
A – Se um jogador da equipa atacante fizer falta no início da jogada que resulta em penálti, o VAR deve dar indicação para o árbitro assinalar a primeira infração;
B – Se um golo for obtido após cruzamento para a área feito com a bola já fora do terreno, o árbitro deve ser alertado para isso, retificando o lance;
C – Se um jogador vir vermelho direto por impedir um adversário de concretizar uma oportunidade de golo (estando o avançado em fora de jogo), a expulsão deve ser anulada porque a jogada que a originou estava ferida de legalidade.
Exceção – se um jogador for expulso por entrada grosseira ou violenta, não é suposto rever-se todo o lance. O ato é analisado, isoladamente, pelo VAR porque aquela conduta é sempre censurável, ainda que a jogada que a originou seja irregular. Pune-se o ato, não o contexto.
Exemplo: defesa agride avançado que estava adiantado. O jogo recomeça com o pontapé livre indireto pelo FJ, mas o agressor é sempre expulso.
6 -(Outros) Amarelos e vermelhos
Por aqui se percebe que há cartões que se mantêm (mesmo que a jogada seja anulada) e outros que não.
Na prática, os que permanecem são os que resultam de gestos individuais, não de faltas táticas da equipa.
Exemplos:
A – Um avançado despe a camisola para festejar golo que é, entretanto, anulado: a advertência permanece porque o ato antidesportivo é seu;
B – Um jogador faz entrada negligente, em lance entretanto retificado: o amarelo mantém-se porque esse foi um gesto isolado;
C – Um atleta corta, com rasteira apenas imprudente, um ataque prometedor. O amarelo é retirado, porque a jogada que foi anulada deixou de existir e a atitude, por si só, não justificava cartão.
Difícil? Lembrem-se desta dica: nas entradas/condutas isoladas a sanção disciplinar mantém-se sempre; nas estratégicas, de enquadramento de jogadas (entretanto anuladas), é retirada.
7 – Casos atípicos
Há vários. Tantos, que ainda surgem uns quantos que nos surpreendem.
O último “mais visível” é interessante:
– Equipa ganhou posse de bola com falta clara sobre um adversário; a jogada prosseguiu até à área contrária, onde ocorreu um possível penálti. O árbitro não considerou a falta inicial nem a infração na área. A bola saíu tocada, por último, pelo defesa e foi assinalado pontapé de canto.
Por ter entendido ter existido um erro claro e evidente no lance do possível penálti, o VAR alertou o seu colega de campo. Este reviu a jogada (porque não foi factual e objetiva, o que o dispensaria desse processo).
Vistas as imagens, entendeu não haver motivo para castigo máximo (manteve, por isso, o pontapé de canto).
Caso tivesse aceitado a indicação de penálti dada pelo VAR, só nesse momento é que este o alertaria para a existência d tal falta na fase de construção atacante.
O jogo recomeçaria então com o respetivo pontapé livre no local da primeira infração.
Parece mais fácil do que é, certo?
A ideia é que saibamos nos ajustar a uma realidade diferente e complexa. A tecnologia já repôs a verdade desportiva em centenas de situações cruciais. Tem falhados noutras, porque estamos todos – todos nós (árbitros incluídos) – a assimilar ainda o potencial tremenda que ela pode oferecer ao jogo.