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Árbitro a sério

Árbitro a sério

Enquanto árbitro, sempre me considerei mediano. Não o digo com a falsa humildade dos vaidosos nem com o sentimento de Calimero, à espero que refutem com um amável “pelo contrário, caro Duarte”.

Digo-o por ter essa noção, por sentir que é realmente verdade. Sei que fui esforçado, que me dediquei muito e que tive que lutar contra várias cirurgias e respetivos processos de recuperação. Sei que isso afetou o meu rendimento, a minha consistência e lucidez. Sei que, não raras vezes, isso abanou até a minha auto-confiança em momentos determinantes, mas ainda assim estou ciente que nunca fui um predistinado do apito.

As coisas são como são e a constatação não me melindra nem diminui. Afinal de contas, o sucesso global é sempre obra de poucos talentosos e de muitos obreiros.

Este sentido auto-crítico permite-me perceber, com outra distância e maturidade, que o árbitro de categoria, o verdadeiro árbitro de elite, não é aquele que erra menos em campo. Não é aquele que comete menos falhas técnicas ou disciplinares.

O “árbitro a sério” é aquele que é reconhecido, por todos, como tal. É aquele que é respeitado, que é aceite e valorizado por ser credível.

Se a sua imagem exterior for essa, a sua vida em campo está (mais do que) facilitada, porque não terá que gerir tantos protestos, conflitos ou quezílias. Afinal de contas, ele já terminou o caminho que muitos ainda estão a percorrer.

Quando o “árbitro a sério” toma uma decisão (boa ou má), ela está tomada e não há quem ouse contesta-la. O jogador baixa a cabeça, o treinador conforma-se e o adepto adapta-se.

O “árbitro a sério” exibe um cartão ou abre os olhos em tom de aviso à navegação sem que muitos o questionem. Isso acontece por mérito dele. Porque soube chegar a esse estatuto, a esse patamar.

A arbitragem dos dias de hoje deve ter esta preocupação antes de ter qualquer outra: a de formar “árbitros a sério”.

O quadro é relativamente jovem e precisa crescer nessa direção. Não basta ensinar as regras e pô-los a correr desalmadamente, de apito na mão. É preciso ensiná-los a aplicá-las com sensatez, categoria e inteligência emocional. É preciso ensiná-los a conhecer o jogo e a perceber a gigantesca diferença entre apitar e arbitrar.

As pessoas respeitam isso. Respeitam os Collinas que vão aparecendo pontualmente. E respeitam porque eles transpiram qualidade inata. Têm uma aura de genuinidade e talento, ganha com no aspeto diferenciado e na construção de uma personalidade independente e neutral.

Na arbitragem, o caminho para o sucesso pode até começar nos livros das leis, mas acaba bem para além dele.

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