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O ANTI-JOGO

O ANTI-JOGO

Anti-jogo… ou o mito do assunto de sempre que só se torna assunto importante quando é o assunto do dia.

 O tema não é novo. Não é de hoje nem é de ontem. É de sempre.

As práticas que visam a perda de tempo existem desde que o futebol existe. São um subterfúgio usado há muito pelas chamadas equipas pequenas, face ao poderio colossal das ditas grandes. Mas não só.

Não raras vezes, também as equipas mais poderosas sentem necessidade de recorrer a esta “tática”, quando um adversário, ainda que de estatuto desportivo inferior, esteja em vias de colocar em risco um resultado que pode deitar tudo a perder.

Na verdade, não deve haver uma única equipa, treinador ou jogador que já não tenha sido vítima desta estratégia, tal como não existirá seguramente nenhum profissional que já não tenha recorrido a ela, em nome de uma conquista importante ou de um pontinho precioso.

Sejamos sinceros e olhemos para esta questão com a distância e razoabilidade que ela merece: o anti-jogo é um problema sim.

É um problema amplo, global, transversal. É um problema do futebol, de todo o futebol e não da equipa que hoje perde ou daquela que amanhã não ganha.

Temos um defeito, todos nós. Somos dados a questões casuísticas. Temos visão curta, balizada por circunstâncias momentâneas, por impulsos emotivos.

Olhamos para temas estruturantes não porque eles mereçam ponderação profunda, mas porque eventos recentes o tornaram visível. Censurável. Condenável.

Quando ele esgota (e esvaziamos balões tão depressa quanto os enchemos), arranjamos outro que nos entretenha.

É fundamental que se perceba, de uma vez por todas, que há questões que impõem outro tipo de reflexão. Uma reflexão distante de cores, de emoções e de circunstancialismos.

Uma reflexão séria que, mais do que apontar o dedo e encontrar culpados, foque na solução. Acrescente valor à discussão.

Deixem-me que vos diga com a sinceridade de quem lá esteve anos a fio: é realmente inconcebível que o futebol tenha chegado ao ponto de ter apenas quarenta/quarenta e cinco minutos de jogo útil, num universo de noventa ou noventa e cinco minutos possíveis.

É inconcebível.

Se é verdade que um árbitro – a quem tudo isto angustia em campo – pouco pode fazer (a não ser aumentar a prevenção e antecipar o rigor disciplinar), não deixa de ser igualmente verdade que há muitas outras formas de eliminar este problema sem retirar brilho, qualidade e dinâmica ao jogo.

E acreditem… este é o momento certo para “forçar” a mudança.

Nunca como hoje o IFAB (International Board, responsável máximo pelas alterações às regras do jogo) esteve tão recetivo a incrementar medidas que favoreçam o espetáculo. A prova é que depois de dezenas de anos trancado numa redoma de ultraconservadorismo, decidiu abraçar em grande a nova era no futebol. Houve finalmente sensibilidade (e inteligência) para perceber que o mundo modernizou e que o jogo dos jogos evoluiu a todos os níveis.

Prova disso é a recente inclusão da vídeo-tecnologia como parte integrante das leis (realidade a efetivar-se a partir do próximo Mundial, na Rússia).

Mas há mais.

Desde 2017 que o IFAB estuda, em conjunto com painéis de peritos espalhados pelo mundo, um conjunto de soluções que visem beneficiar o futebol. A ideia é recolher as suas sensibilidades, pegar nas suas ideias e testá-las ou, se for caso disso, inclui-las nas regras, no máximo, até 2022.

Adivinhem quais são dois dos assuntos que estão em cima da mesa? Exatamente.

– Medidas para combater as perdas de tempo e aumentar o tempo efetivo de jogo.

Isto sim, é refletir a sério.

Querem a minha (modestíssima) opinião? Aproveitem a boleia.

Juntem-se, discutam o assunto numa espécie de task-force e façam algumas sugestões com cabeça, tronco e membros, a quem de direito.

Diz-me a experiência que esta questão jamais se resolverá pela mudança de atitude de quem está no terreno de jogo. Não há má vontade, obviamente. Apenas a necessidade de sobreviver perante um mar imenso de dificuldades, esticando ao máximo a letra e espírito da lei.

Por isso, se querem propostas, deixo-vos com duas ou três mais radicais:

1 – Cronometragem de tempo útil de jogo (ou, pelo menos, dos últimos dez, quinze minutos de cada partida);

2 – Substituições volantes (supervisionadas pelo 4º Árbitro, sem que fosse necessária a interrupção da partida, com a exceção das trocas de guarda-redes);

3 – Assistências médicas em campo (sem que o jogo tivesse que parar, menos em lesões consideradas graves).

Por muito “à frente” que possam parecer, não são de minha autoria nem são novas.

O desporto há muito que inventou estas soluções para impedir a batota e dinamizar o jogo. Para aumentar a qualidade, justiça e emoção do espetáculo.

Futsal, râguebi ou basquetebol são apenas três de várias modalidades que muito poderiam ensinar ao futebol.

A paragem do tempo de jogo (de cada vez que uma bola estivesse fora ou quando a partida estivesse interrompida) traria vantagens imediatas: terminaria com qualquer perda de tempo deliberada (seria inócua) e aumentaria substancialmente a sensação de justiça e verdade desportiva: todas as equipas, em todas as jornadas de todo o campeonato, teriam em cada jogo o mesmo tempo para ganhar. Para serem melhores. Para marcarem a diferença.

Equidade pura.

Enquanto esta (ou quaisquer outras alterações de fundo) não surgirem, vamos enterrando a cabeça na areia e falando das coisas do dia-a-dia, como se isso fizesse bem ao jogo. Como se isso resolvesse alguma coisa.

A estratégia pode saciar a gula do adepto, aumentar pontualmente as audiências das televisões e aconchegar o coração de quem se sente prejudicado… mas não resolve.

Queremos fazer parte eterna do problema… ou ser pioneiros na busca da solução?

 

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