Vamos falar do lance que envolveu Doumbia e Lourency, na reta final da partida entre Gil Vicente/Sporting.
Como recordarão os mais atentos, o médio costa-marfinense – colocado no interior da sua área – usou o braço/cotovelo esquerdo para atingir o seu adversário, causando-lhe lesão (visível) no rosto.
Primeiro os factos:
1 – O árbitro entendeu não ter havido qualquer infração, razão pela qual tomou a decisão de deixar prosseguir o jogo;
2 – O videoárbitro, atento, fez e bem o seu trabalho: alertou Hugo Miguel que tinha ocorrido uma situação eventualmente passível de castigo máximo. Mas fez mais (e melhor): disse-lhe que, no início da fase de ataque que levou a essa infração, um jogador da equipa atacante – no caso, Kraev – estava em posição irregular e tomara parte ativa no jogo. Bruno Esteves (VAR) acertou em tudo: o lance seria mesmo passível de pontapé de penálti mas esse nunca podia ser assinalado por existir fora de jogo (de 5 cms) anterior. Perfeito;
3 – O internacional lisboeta fez então, igualmente bem, o que lhe competia: foi ver as imagens no écran junto ao relvado e validou a informação do colega. O alegado penálti não foi sancionado e, em seu lugar, foi dada indicação para que a partida recomeçasse com pontapé livre indireto, a punir o adiantamento do jogador gilista. Tecnicamente tudo perfeito. Mais uma vez;
4 – Mas Hugo Miguel fez mais: entendeu que, disciplinarmente, a atitude individual de Doumbia sobre Lourency (que o lesionou de forma feia) tinha sido negligente (ou seja, passível de cartão amarelo) e, por isso, advertiu-o. Por ser a segunda vez no mesmo jogo, deu-lhe a respetiva ordem de expulsão;
5 – A parte “incompreensível” (e a única aqui claramente errada) veio depois: o árbitro, motivado por possível bloqueio momentâneo, voltou atrás na decisão e pediu a Doumbia que regressasse ao terreno de jogo, anulando o amarelo que lhe tinha mostrado. O jogador estaria já a caminho dos balneários quando foi chamado.
Agora a nossa análise técnica: quando um lance é tecnicamente invalidado (como este, por intervenção do VAR), podem acontecer uma de duas situações, no que diz respeito a cartões entretanto exibidos: ou são anulados ou mantêm-se.
O que o protocolo (que agora está integrado nas leis de jogo) diz é que devem ser revertidos todos os cartões que foram exibidos por anularem ataques prometedores ou claras oportunidades de golo de golo. Ou seja, apagam-se os cartões mostrados não pela “dureza” da infração/entrada em si, mas pelo enquadramento da jogada. Os táticos.
Todos os outros – nomeadamente os que resultem de impacto físico negligente, grosseiro, violento ou de ações antidesportivas – devem manter-se sempre e em qualquer situação.
Doumbia, que na nossa opinião tinha até que ter visto o cartão vermelho direto, nunca podia ter regressado ao relvado porque a sua atitude foi, no mínimo, muito negligente. O tal segundo amarelo devia manter-se, mesmo não havendo penálti (tal como se manteria, por exemplo, um cartão amarelo mostrado a um jogador atacante por simulação na área, em lance que o árbitro fosse chamado a analisar um potencial penálti).
Essa foi a única falha, num jogo difícil, emotivo e que, até então, muito bem arbitrado. Foi pena, porque Hugo Miguel tinha estado mesmo em excelente nível.
Artigo publicado no jornal “A Bola”