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Corruptos não, irresponsáveis

Corruptos não, irresponsáveis

Um comentador de arbitragem com espaço de opinião como o que tenho o privilégio de ter nesta página de “A Bola”, não pode nem deve escusar-se a falar do assunto que voltou à agenda do dia. Refiro-me à história dos kits/vouchers com camisola e refeições de oferta. E estendo essa reflexão às prendas que, de um modo geral, são oferecidas a árbitros e a outros agentes desportivos.

Nota pessoal: tenho centenas de camisolas dadas por clubes nacionais e internacionais. Além dessas, tenho troféus, medalhas, pratos, copos, placas e muitas outras recordações (umas mais, outras menos valiosas) “arquivadas” no baú das minhas memórias e expostas numa montra da minha sala. São o património físico de uma carreira no futebol, que mostro, com orgulho e desinteresse, a todos os que vão lá a casa.

Como sabem, esta prática – de “cortesia aceitável” – existe em todas as ligas e competições, não só no futebol, mas no desporto em geral. É considerada uma forma de “saber receber” e está balizada por um valor aceite como razoável e ético. Os políticos fazem o mesmo nas suas visitas de Estado. Certo.

O famoso “Kit Eusébio”, que eu também recebi em tempos, não tinha nenhuma nota adicional a pedir algo em troca. A camisola que o Sporting um dia me ofereceu (com o meu nome nas costas) ou a que recebi do FC Porto, numa Final da Taça de Portugal, também não. Obviamente. Porque seria insano pensar-se que uma instituição de bem tenta subornar alguém desse modo. Pior. Seria de doidos pensar que alguém se venderia por uma peça de roupa ou por um repasto bem aviado.

Não faço juízos de valor sobre intenções alheias, mas sei – porque não sou parvo – que nenhuma das “prendas” que me ofereceram enquanto árbitro pressuponha algo mais do que um gesto de bom anfitrião.

No que diz respeito ao caso em apreço, a justiça desportiva já se pronunciou e a civil fá-lo-á nos moldes que entender mais justos e adequados. Aguardemos com serenidade.

O que realmente me irrita, no meio disto tudo, são os tiros nos pés dados pela minha “malta”. Mais concretamente, o facto de meia dúzia de árbitros, árbitros assistentes e afins não terem resistido à tentação provinciana de comer de borla. Como se não ganhassem o suficiente para irem ao mesmo restaurante (ou a outro qualquer) e pagar a conta do seu bolso.

Isso aborrece-me. Aborrece-me muito, porque eles sabem melhor do que ninguém que, nestas andanças, o melhor é evitar o pior. É não se pôr a jeito. No futebol, não basta ser. Nunca basta ser.

Aproveitar uma oferta de cortesia para encher a barriga sem gastar um cêntimo é o expoente máximo da falta de sensatez. É abuso puro. É a demonstração que há, por aí, gente sem dois dedos de testa, capaz de se deslumbrar por tudo e por nada. Gente que nos envergonha a todos, por não saber resistir a uma pequena vaidade, altamente insensata nos dias que correm.

O pior é que o nome de todos não merece ser confundido com a estupidez momentânea de uns quantos e essa é a parte que convém esclarecer rapidamente. Somos todos sérios, mas não somos todos burros.

Artigo publicado no “Jornal A Bola”

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