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ALVALADE E RONALDO

ALVALADE E RONALDO

Há dias memoráveis e há dias memoráveis.

Para um árbitro, dirigir uma final, um dérbi decisivo ou um clássico escaldante tem sempre um sabor especial.

Compreensivelmente.

Tal como acontece com jogadores e treinadores, claques e adeptos, as emoções fervilham mais em momentos especiais como aqueles.

A preparação, o treino, a atitude é igual. Sempre igual. Mas há naquelas partidas uma dose adicional de adrenalina que não se explica. Sente-se. Sente-se no arrepio da pele e no batimento do coração.

Tive o privilégio de viver um desses momentos em Agosto de 2003.

Estava no Algarve a aproveitar os últimos dias de férias antes de mais uma época desportiva quando recebi o telefonema. O telefonema que me nomeava para o primeiro jogo do novo Alvalade Século XXI.

Fiquei feliz. Muito feliz.

Fazer parte da inauguração de um estádio é algo que se vive uma só vez na vida. Ou nem isso.

Daí até ao dia do jogo foi um countdown angustiante de tão ansioso. Dia 6 lá estava, com a minha equipa. Vestidos a rigor e de sorriso estampado na cara.

Entrámos nas novas instalações do clube às 19h30. Duas horas antes do apito inicial.

Acompanhámos, de dentro para fora, os minutos a passar e a inauguração oficial feita pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio.

Ouvimos, do balneário, o espetáculo que de seguiu. Depois… bem, depois foi esquecer os efeitos colaterais das emoções, vestir o fato do rigor e colocar mãos à obra.

O JOVEM FENÓMENO

O convidado foi o o todo poderoso Manchester United. O Manchester United de Barthez, Gary Neville, Roy Keane, Paul Scholes, Ryan Giggs, Rio Ferdinand e companhia.

Que luxo!

O Sporting venceu, perante mais de 50 mil adeptos e com toda a justiça. Luís Filipe foi o primeiro a marcar na nova casa do clube leonino. João Vieira Pinto bisou. O central Hugo fez um autogolo, que valeu o tento de honra à equipa do memorável Sir Alex Ferguson.

Mas se a partida correu bem para o clube da casa, correu melhor – muito melhor – para um jovem madeirense com apenas dezoito anos de idade.

O “menino” Cristiano Ronaldo, na verdade… não jogou bem. Jogou muito bem, que é como quem diz, partiu a louça toda e, pelo caminho, deixou os rins de vários ingleses espalhados pelo relvado.

Que jogaço, meu Deus!

Ninguém ficou indiferente à qualidade que saía daqueles pés. Nem portugueses, nem ingleses… nem o árbitro. Obviamente.

Foi difícil não me abstrair, mas a verdade é que de cada que ele tocava na bola, havia em mim uma curiosidade quase doentia que me perguntava: “Que vais tu fazer agora, puto?”

Lembro-me de comentar com os meus colegas que aquele miúdo, se não se estragasse, seria um caso sério… mas confesso que nunca pensei estar na presença daquele que viria a ser o melhor jogador do planeta.

O jovem extremo do Sporting deu um verdadeiro show de bola! As fintas, os ziguezagues, as acelerações constantes, quase sempre pela esquerda, deixaram os defesas do Manchester à beira de um colapso.

Às tantas já não era apenas um a marcá-lo. Eram três. Três ao mesmo tempo, porque ninguém conseguia travar as diabruras do puto-maravilha.

O talento, que segundo consta já teria seduzido Alex Ferguson, terá sido suficiente para o convencer. A ele e a Rio Ferdinand, que com menos um rim e de olhos trocados, lá lhe terá dito contratar aquele prodígio.

Deixem-me que vos diga de novo: que privilégio foi poder estar naquele palco, a participar num momento histórico e a assistir à exibição portentosa de Ronaldo.

Um árbitro não está apenas focado nos lances e nas faltas, nos amarelos e nos penáltis. Está também focado no jogo. Nos seus atores e nas suas diabruras. E naquele jogo, houve uma equipa bem superior e um génio à solta. Um artista diferente.

Provou-o ali como tem provado desde então, para orgulho da nossa alma lusitana.

 

Fotos: Tribuna Expresso

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