Eis que o universo volta a recordar-nos da fragilidade da nossa existência: por mais diferentes que sejamos na cor, credo ou religião, todos começamos e todos terminamos. Somos finitos e essa verdade aplica-se a ricos e pobres, poderosos e plebeus, doutores e analfabetos.
A reação do homem a esta realidade incontornável, varia. Há quem viva sem pensar no fim. Há quem viva sem pensar noutra coisa. Depende da nossa saúde física, mental e emocional, da nossa personalidade e da forma como nos corre a vida a cada momento.
Quanto ao sentido de tudo isto, bem… não o compreendemos. Quando um velhinho perde a vida, a dor é grande mas há nela um sentimento suavizado pela natureza das coisas. Há um adeus dorido mas grato, calmo, de aceitação. Mas quando alguém parte “na flor da idade” ou de forma brusca e inesperada, a angústia é outra. O choque derruba-nos, manda-nos ao tapete. A proximidade com a tragédia ameaça-nos, leva-nos ao sofrimento por contágio, à identificação receosa. É uma dor diferente para pior.
O caso de Kobe Bryant – um gigante bem maior do que o tamanho dos seus feitos – é apenas o exemplo recente de uma partida prematura.
Há uma semana, Paulo Gonçalves – homem de valores mil, com coração brilhante e alma perfeita – tinha sido traído pelas areias trapaceiras de um deserto que o fascinava. Partiu a fazer o que mais amava, onde mais gostava. Uma tragédia pincelada de uma ironia quase tão perfeita como ele.
Poucos dias antes, o jovem hoquista Énio Abreu (GR do Paço d’Arcos) sucumbiu a uma infeção generalizada, resultante de uma gripe transformada em pneumonia. Tinha apenas dezanove anos e, pela frente, um mundo cheio de sonhos e ilusões.
Estou convencido que estas “maldades” encerram mensagem importante, que devemos decifrar com a distância dos sensatos e o saber dos sábios: a vida, por ser finita, é para ser bem vivida.
Tudo tem um princípio e um fim. Não aproveitar o “intervalo” é um ato de suprema estupidez e ignorância.
Viver bem a vida é desvalorizar o acessório e priorizar o essencial. O acessório é quase sempre material, o essencial quase sempre pessoal.
Viver bem a vida é procurar ser feliz, fazendo a felicidade dos outros. É respeitar-se, respeitando os outros. É coabitar em harmonia, sem mentiras, crimes ou conflitos. É conhecer, explorar e viajar. É partilhar, dar e receber. É apoiar, aconselhar e ouvir. É fazer o que está certo, mesmo quando é mais tentador fazer o que está errado. É ser grande no exemplo. É deixar um legado de valores. Uma impressão digital distinta. Uma herança que orgulhe quem vem depois.
No desporto, como na vida, há gente muito boa, que vive com a certeza que o rumo é só um… e há gente perdida, que se acha achada e que vive com moral deturpada, ideias desarranjadas e metas desviadas.
A gula insaciável por poder, o encosto fácil, a subserviência ao mais forte, a ganância desmesurada, a ambição financeira, o engano, egoísmo e falsidade constantes são a ilusão temporária de uma realidade irreal. Surreal até. E tudo para quê? Para meia dúzia de euros a mais, um tacho bem sucedido, o reconhecimento de uns quantos iguais? Um dia tudo termina sem glória, sem graça nem honra. Viver assim não é viver de verdade. É sobreviver na mentira uma vida inteira.
Obrigado, mas não, obrigado.
Artigo publicado no Jornal A Bola