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SEM EIRA NEM BEIRA

SEM EIRA NEM BEIRA

Olhemos, de forma clara e frontal, para o estado atual do futebol português. Sem interpretações dúbias, sem especulações e sobretudo, sem juízos de valor. Olhemos apenas para factos, recentes e passados.

Vejamos:

1. Na última jornada e durante uma partida de futebol profissional (vista por milhares e acompanhada por milhões), um adepto invadiu o terreno de jogo e empurrou um jogador.

O ato em si é obviamente condenável e incompreensível em alta competição. No entanto, não tenhamos memória seletiva. Por muito jeito que dê a uns alimentar o ódio e a clubite, a verdade é que este não é um fenómeno novo no futebol em Portugal: há umas épocas, aconteceu exatamente o mesmo, num jogo igualmente mediático. A diferença foi que, na altura, o alvo não foi um jogador mas sim um árbitro assistente.

2. Um elemento de uma claque congratulou-se por agressões bárbaras perpetradas sobre um árbitro argentino. Se a legenda foi má, a imagem não foi melhor. Mas não nos iludamos de novo. Esta atitude, absolutamente inacreditável, não é pior nem melhor que tantas outras a que temos assistido em recintos desportivos ou em redor deles: para além de cânticos que incentivam ao ódio e à violência, para além de cenas de pancadaria organizada, ocorreram outras situações com consequências bem mais graves: não nos esqueçamos da morte de um adepto italiano, após ter sido atropelado (alegadamente) por outro, de um clube rival. E não nos esqueçamos também que, aqui há uns anos, um homem (que era filho, marido e pai de alguém), morreu ao ser atingido por um very light, num jogo que supostamente celebrava a festa do futebol. A maior festa do futebol.

3. Mas além destes, existem outros fenómenos de violência a surgir um pouco por todo o lado e a verdade é que, nos últimos dias, vários alarmes soaram de forma ainda mais preocupante.

 

Querem exemplos?

– No U. Lamas / Lourosa (da semana passada), um adepto entrou no relvado e agrediu um jogador. É factual, aconteceu e está gravado.

– No Beira Mar / U. Lamas (neste fim de semana), um outro adepto pendurou-se no toldo onde as equipas passavam (ao intervalo, rumo aos balneários) e atingiu, a soco, a cabeça do árbitro (que até é de 2a Categoria Nacional). Em simultâneo, outro “parceiro” de igual calibre acertou com um pau (de uma bandeira?) no árbitro assistente. O jogo, dos distritais da AF Aveiro, tinha tudo para ser um hino ao futebol (moldura humana impressionante) mas – por opção da organização – não teve policiamento. É factual, aconteceu e ficou registado em vídeo.

– Nos distritais da AF Porto, um jogador envolveu-se em agressões com adeptos da equipa adversária, após alegada provocação destes. A confusão generalizou-se e alastrou-se a outros colegas e adversários. É factual e há imagens.

– Em Lisboa, um árbitro levou um estalo depois de decidir expulsar, por acumulação de amarelos, um jogador. É factual, aconteceu e há dezenas de testemunhos que o comprovam.

– No final do Académica / Famalicão (2a Liga Profissional), aquilo que terão sido alegados excessos de protestos por parte de responsáveis (cujas imagens evidenciam), poderão ter estado na base do extremismo protagonizado por alguns adeptos: houve invasão de campo e instalou-se o caos. Choveram insultos, empurrões, agressões, num cenário que alastrou-se para fora das quatro linhas. Uma senhora foi atingida com uma cadeira na cabeça e várias pessoas ficaram feridas na sequência desses desacatos. Polícia e INEM não tiveram mãos a medir. Aconteceu, repito, num jogo de futebol profissional. É factual e há imagens e vídeos que o comprovam, sem margem para qualquer dúvida.

 

O que acabaram de ler não é uma visão apocalíptica do inferno nem a descrição dramática de um cenário de guerra. Não é uma pintura dramática e exagerada de acontecimentos.

É, apenas e só, a narração de factos. De ocorrências testemunhadas, reportadas, gravadas.

Trata-se de uma compilação de momentos muito tristes que aconteceram em torno de um espetáculo muito bonito, a que chamamos de futebol.

Os sinais estão lá todos. Todos.

A escalada rumo a algo mais grave parece inevitável. E já todos percebemos isso há muito, muito tempo.

Os maus exemplos continuam a vir ao de cima, contagiando, de forma quase epidémica, tudo e todos.

A sensação de impunidade é tão avassaladora que chega a ser frustrante. Castrante até.

A inexistência de um diálogo sério e definitivo, a incapacidade em firmar compromissos de honra, a ligeireza dos modelos punitivos, a monstruosa falta de ética, de educação e de valores e acima de tudo, a quase inqualificável falta de coragem em dar um verdadeiro murro na mesa são meros incentivos à proliferação de tudo o que não devia nem podia acontecer no futebol. No nosso futebol.

Não se iludam, meus senhores. A coisa não ficará por aqui.

A grande diferença é que, por enquanto, ainda vão a tempo de mudar o rumo dos acontecimentos…

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