Um jogo sem gente é como um Natal sem presentes. Mas é preciso diferenciar os adeptos: há bons, há maus e há doentes.
Os adeptos. Os adeptos são o condimento maior do desporto. De qualquer desporto.
Sem eles, não há aplausos nem coreografias, não há bandeiras coloridas nem emoções genuínas, não há adrenalina pura nem paixão exacerbada. A tal paixão que invade a alma de quem está lá dentro, de forma imparável. De forma quase insuperável.
No futebol ou no atletismo, na ginástica ou no râguebi, no ténis ou na natação, seja onde for, só o calor humano, o ruído das massas e a força de um mar de gente conseguem abrilhantar a festa e dar luz, som e cor ao espetáculo. A qualquer espetáculo.
É mágico, de facto.
Um jogo sem gente é como um Natal sem presentes. Não é normal, não é expectável, não faz sentido.
A pior experiência que um atleta, treinador ou árbitro podem ter é fazer o que mais gostam sem ninguém lá para ver, para testemunhar ou aplaudir. Atuar numa sala vazia ou num palco sem plateia é contratura. É feio, frio e triste. É devastador.
Dito isto, importa diferenciar os vários tipos de adeptos que existem.
Primeiro há os bons. Os bons a sério. São muitos (felizmente) e são os mais importantes de todos.
Os bons adeptos são os que acompanham o seu ídolo ou equipa para todo o lado, sempre que isso é possível. São os que os incentivam e apoiam mas também os que sabem criticá-los, quando sentem que isso é necessário. São os que estão presentes quando a sua presença importa, quando a sua presença se impõe.
Os bons adeptos também têm momentos menos bons, mais irrefletidos ou exacerbados, de maior crispação ou exagero, mas são transversalmente boas almas, boas pessoas. Gente que sente com o coração mas que sabe estar, que sabe ser. Gente com valores e educação.
Depois, existem os maus.
Os maus são os hooligans e os arruaceiros, os radicais e os terroristas, os bandidos e os criminosos.
São poucos (esperamos nós), mas quando vão a um espetáculo, evidenciam-se. Não querem usufruir, apoiar ou incentivar. Só querem incomodar, chatear e perturbar. Procuram motivos para fazer motins, para criar o caos, para impor a desordem e o medo. Os maus adeptos são os que agridem os outros, os que ameaçam os adversários e os que atiram cadeiras a tudo e a todos. São os que adoram destruir o que lhes aparece pela frente. Para eles, o jogo não é o fim mas apenas um meio. O argumento perfeito para serem o que genuinamente são: um bando de energúmenos, com uma vida infeliz e uma sina triste.
Por último, há o chamado “adepto-doente”.
O adepto-doente existe em abundância e de forma quase transversal. São pessoas com traços de personalidade muito característicos, óbvios a olho nú: sofrem de mania de perseguição, de complexo de inferioridade, de egocentrismo intermitente, de memória seletiva e, claro, de “Síndrome de Calimero”.
Para esses, a vitória é sempre obtida com mérito e a derrota tem sempre o dedo nefasto de alguém. Para esses, o adversário é inimigo, o árbitro é ladrão e a competição é apenas um sistema putrefacto, que beneficia os rivais e oprime-os a eles, vítimas, inocentes. Para esses, a opinião favorável de uns só está certa quando coincide com a sua. Quando é diferente, passa a desonesta, mal-intencionada e incompetente.
O adepto-doente é, quase sempre, uma pessoa mal educada. Tem má formação de base. Por isso, usa o insulto, a ameaça e a ofensa como armas de arremesso. Armas que procuram apenas disfarçar a sua incapacidade óbvia em discordar, com fundamentos e substância. Com argumentos e factos.
Geralmente é uma pessoa ordinária, rude e bastante covarde: escondido na bancada ou atrás de um qualquer teclado diz que bate, que faz e que acontece, mas ao perto e olhos nos olhos, baixa a cabeça, desvia o olhar, esconde-se deprimentemente nos intervalos da chuva.
O adepto-doente, que é um residente ativo das redes sociais e uma alma só e infeliz, raramente pensa pela sua cabeça. Consome tudo o que é dito por outros como se fossem verdades absolutas e faz disso a sua bandeira, a sua luta. A sua causa. É isso que o preenche. É isso que o sacia. É isso que o distrai. Só isso.
De todos os adeptos que existem, este é o mais pobre de cabeça, o mais ingénuo e o que mais pena dá.
É certo que as pessoas não são todas iguais e não há sociedades perfeitas, mas a verdade é que a forma como vemos e apoiamos o desporto em Portugal, está ainda longe da ideal. Da que se espera de um país evoluído, com méritos desportivos acumulados uns em cima dos outros.
Educar, formar, ensinar valores é um desafio tremendo, que deve começar logo no ventre… mas é o único caminho que permitirá o nascimento de outras gerações. O nascimento de pessoas melhores, de seres humanos distintos, de gente com outra atitude e caráter.
Se queremos a mudança, temos que ser a mudança.
Artigo publicado em Tribuna Expresso