Além de ter o prazer de colaborar neste jornal, sou também comentador de arbitragem num canal de televisão.
O formato em que participo – o programa O Dia Seguinte – promove o diálogo, ora calmo, ora acalorado, entre adeptos dos chamados três clubes grandes. Sensivelmente à mesma hora, outros canais fazem exatamente o mesmo: transmitem um programa desportivo em que comentadores afetos a FC Porto, Benfica e Sporting trocam argumentos e analisam, à sua maneira, a atualidade dos seus emblemas.
Parte da opinião pública, das pessoas que conheço e daquelas com quem me vou cruzando na rua, são quase unânimes na crítica acérrima a este tipo de formatos. Consideram que muitas das discussões que ali são debatidas são irracionais e que este tipo de conteúdos nada acrescenta ao futebol português.
A opinião, que se percebe, encerra no entanto uma estranha hipocrisia que os números facilmente desmontam: é que esses espaços têm audiências. Têm muitas audiências. E como as audiências baseiam-se no número de pessoas que assiste a determinados programas, a dado momento, então das duas uma: ou quem os critica mente com todos os dentes que tem (porque diz que não gosta e não vê, mas pelo menos vê) ou, no fundo, o que o povo quer mesmo são formatos ao estilo de barba rija, onde a irracionalidade clubista, o sarcasmo inteligente e a parcialidade deliberada se sobrepõem, estratégica e intencionalmente, à racionalidade, inteligência e sensatez de quem os protagoniza.
No meio disto tudo, impõe-se a pergunta: quem é que está errado? Quem é que está mal?
Quem fornece o produto… ou quem o consome avidamente, ainda que o negue? Ainda que o critique? Vem esta reflexão a propósito do meu espaço, o Kickoff, que lancei no ano em que terminei a carreira de árbitro. A ideia subjacente ao projeto foi (é e será sempre) a antítese de tudo o que é acessório, irracional ou inflamável. Sendo compreensível que de um ex-árbitro se espere opinião técnica de lances mais ou menos escaldantes, a verdade é que é nosso dever acrescentar valor a essa ínfima (e ingrata) parte do nosso trabalho.
Mas a verdade, nua, crua e triste, é que poucos (muito poucos) são aqueles que querem aprender, que querem perceber, que querem ao menos olhar para o lado construtivo de tudo o que se vai dizendo. Poucos são os que valorizam a pedagogia, os esclarecimentos ou a explicação das regras.
O que o povo realmente quer é sangue. Como alguém disse: «Se queres vender um produto, usa três chavões: sexo, violência e futebol. O resto vai consumir-te tempo, sanidade mental e nunca sairá da prateleira.»
Tal como acontece com as audiências daqueles formatos televisivos, no Espaço Kickoff acontece exatamente o mesmo: qualquer post, vídeo ou foto que contenha explicações didáticas, abordagens técnicas ou dicas profiláticas é visto e lido por uma confrangedora minoria de seguidores. Já os comentários exaltados a penáltis, vermelhos e decisões polémicas são como as ervas daninhas de um jardim: crescem vertiginosamente. Descontroladamente. Tresloucadamente.
A estratégia é simples: servir o prato principal como entrada e continuar a insistir na sobremesa como o mais importante dos petiscos. Se não tentarmos, nunca mudaremos.
Artigo publicado no Jornal A Bola