O tema que vos trago hoje resulta de vários comentários que recebo sobre a alegada permissividade das equipas de arbitragem quanto a “palavrões” que jogadores e técnicos dizem durante os jogos.
De um modo geral, parece que há muitas pessoas a ficarem surpreendidas pelo facto do árbitro – figura que representa a autoridade máxima em campo – permitir que, em noventa minutos de jogo, sejam proferidos tantos impropérios, sem que aparentemente isso tenha consequências disciplinares.
Percebo a dúvida e gostava de a (tentar) explicar/desmistificar.
Ponto prévio: hoje em dia, quase todos os jogos dão, em direto, nas televisões. A toda a hora vemos bola, seja a dos nossos campeonatos, seja a de competições além-fronteiras. A qualidade das transmissões também evoluiu muito. É cada vez melhor, no som e, sobretudo, na resolução de imagem. É, aliás, tão boa que sempre que mostra, em ângulo aproximado, algumas expressões faciais dos atletas, fica claro para todos o que foi dito, ainda que o protagonista se expresse em espanhol ou inglês.
É, por isso, comum apanharmos atletas em momentos de maior “descompressão verbal”, soltando uma ou outra pérola que, descontextualizada, logo parece uma expressão maquiavélica ou injuriosa.
Acreditem, as coisas não são bem assim.
Há uma diferença enorme entre um desabafo momentâneo e um insulto direcionado. Entre uma palavra solta num momento de maior tensão e outra mal-intencionada, dirigida diretamente ao árbitro ou a um dos seus assistentes.
É preciso que se perceba que jogadores e técnicos estão sob stress constante. E, deixem-me que vos diga, o stress competitivo não é brincadeira. É algo psicologicamente pesado, difícil de gerir e que requer um jogo de cintura tremendo, que só o tempo ajuda a adquirir.
Na prática, estamos a falar de profissionais que dão tudo em campo. Profissionais que têm objetivos imediatos (pessoais e coletivos), que estão com a adrenalina em alta, que vão ganhando em fadiga e exaustão o que perdem em lucidez e oxigénio. Profissionais que passam o jogo todo a correr, a atacar e defender, a saltar à bola, a ir ao choque e a trabalhar com contactos físicos em permanência. Profissionais que sabem que um simples jogo pode definir promoções ou despromoções, renovações ou rescisões, milhões ou tostões. É muita carga para lidar.
Cabe, pois, ao árbitro a gestão sensata dessa azáfama de emoções.
Um árbitro experiente, com sensibilidade para o jogo e saber relacional, tem que balizar bem as coisas. Tem que perceber onde termina o desabafo e começa a ofensa.
É aí que traça a linha, até porque há muito palavrão que não ofende e muita palavra “dócil” que é uma autêntica facada de tão pejorativa e caluniosa. Depende.
Aceitem este conselho da experiência: sempre que as imagens vos mostrarem alguém a vociferar asneiras, não se precipitem na condenação sumária em praça pública. Não a expulsem sem entender o que se passou. Procurem enquadrar a reação no contexto em que ocorreu. Procurem entender o que a motivou, a gravidade que teve e, mais importante, se houve vontade intencional em ofender ou apenas um escoar de muita pressão acumulada.
Muitos desses momentos são resolvidos com a sensatez de quem sente e percebe as diferente variáveis do jogo. As outras, bem… só têm uma solução: cartão vermelho direto e toca a tomar banho mais cedo. A pedagogia também se impõe assim.
Quem percebe da poda, saberá distinguir os limites.
Artigo publicado no Jornal A Bola