Não é um assunto novo, mas reaparece na agenda mediática quando surgem lances ou momentos de jogo que eternizam a dúvida, originam suspeitas ou são, vá se lá saber, empolados pela opinião pública ou pela voz dos clubes.
A questão a que me refiro é de se saber, ao certo, qual é o momento até ao qual um videoárbitro deve rever determinada jogada que origine uma situação que conste no protocolo: por exemplo, a que afira a legalidade de um golo ou a validade de se assinalar (ou não) um pontapé de penálti.
Pelo que percebo, as dúvidas são muitas e esta continua a ser uma questão que não é clara para todos. Diga-se que isso é perfeitamente compreensível. Nesta matéria, a letra do que está escrito não é totalmente objetiva e pode, por isso, dar azo a interpretações diversas. Além disso, esta e outras matérias relacionadas com a questão da tecnologia continuam, na minha opinião, a carecer de outro tipo de informação para o exterior. Uma que seja continuada e permanente. Uma que mantenha as pessoas a par de tudo o que precisam saber, esclarecendo, explicando, pisando e repisando conceitos, sobretudo os que originem mais ruído. É que a ferramenta é recente e revolucionou a forma como todos vemos e analisamos futebol, pelo que toda a informação que existe deve ser repetida até à exaustão.
Para tentar explicar-vos o conceito, tomo então a liberdade de pegar num caso concreto.
Imaginemos, por exemplo, que a mão direita de Shaw – jogador angolano que atuou no último Belenenses SAD/FCP e cujo movimento resultou no golo de André Santos – tinha sido intencional, deliberada.
A pergunta aí seria: havendo então uma mão/braço faltosos na jogada que resultou em depois em golo da equipa visitada, podia o videoárbitro intervir no sentido de anula-la, fundamentando a sua intervenção nessa alegada ilegalidade?
A resposta óbvia diria que sim, que poderia. Mas na verdade, não. Não podia.
Trocando por miúdos, é importante que se perceba uma coisa: o conceito de “posse de bola” é, para este efeito, distinto do conceito de “fase de ataque” (que resulta depois em golo ou em pontapé de penálti).
O que o protocolo diz é que o VAR deve rever o lance até à fase de ataque que inicia a jogada.
A mera posse de bola de uma equipa – que, na prática, pode durar cinco ou mais minutos (vejam o caso das equipas ao estilo do Tiki Taka de Guardiola, que mantêm a bola durante muito, muito tempo) – não pode ser toda revista, porque isso poderia demorar demasiado tempo. O impacto que isso teria na qualidade do jogo e na expectativa dos adeptos seria péssimo.
Foi para evitar esse tipo de cenários que o International Board definiu a tal fase de ataque como o momento a reter. Aquele que o nosso bom senso, o bom senso do árbitro e do videoárbitro entendessem como sendo o que, clara e inequivocamente, conduziu à construção de um ataque que culmina no lance a rever.
Caso a mão/braço de Shaw tivesse sido realmente ostensiva (e sublinho que para mim não foi), esse instante não poderia ser alvo de revisão do porque, depois dessa intervenção, a bola andou primeiro para a frente e depois para trás. Tão para trás que voltou ao próprio meio-campo do “Belenenses SAD”.
Ora nenhuma fase de construção atacante pressupõe um recuo até à zona defensiva de quem está a atacar. Quer isso dizer, no caso em apreço, que a jogada só podia ser revista até ao momento em que a bola foi lançada para a desmarcação de Licá (que foi depois quem fez a assistência para André Santos, após corte de Marcano). Foi aí que começou, inequivocamente, a fase de ataque que culminou naquele golo.
Esta verdade, este conceito, aplicar-se-ia ao jogo do Jamor, como deve aplicar-se naturalmente a todos os outros jogos, de todas as outras equipas e competições. É universal, tal como todas as premissas deste protocolo, agora integrado no texto da lei.
Artigo publicado no Jornal A Bola