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Até quando temos de levar com isto?

Até quando temos de levar com isto?

Estamos a entrar em 2020 e a lengalenga é exatamente igual à de 1980: até quando temos de levar com isto?

MÁRIO CRUZ

Não sei se por masoquismo ou se por manifesta incapacidade em fazer mais, mas a verdade é que as más notícias estão de volta ao futebol português.

Esta constatação torna-se difícil de digerir por coincidir com mais um momento em que muitos dos nossos talentos voltaram a encher-nos de orgulho e alegria, mas… Jordan e Madjer, Hélio Sousa e José Morais, Jorge Jesus e Cia, esqueçam lá isso.

Há quem esteja demasiado ocupado a tentar ser estrela. É por isso que nem vos vêem, tal a cegueira em chamar para si todo o protagonismo.

Diga-se, em abono da verdade, que eles, coitados, não são os únicos responsáveis por essa figura.

Também o é quem insiste em lhes dar voz, palco e importância. Quem precisa deles para sobreviver, para vender jornais e garantir audiências. E de quem, cá fora, precisa de consumir avidamente tudo isso, só para se entreter. Como se essa droga putrefacta resolvesse o vazio existencial e a melancolia social de todas as pessoas.

Não caiam nessa, meus amigos. O futebol é demasiado grandioso e não precisa disso para despertar emoções ou adrenalina.

Agora convenhamos, o que se tem visto, lido e ouvido ultimamente é mau demais.

Há quem insista que é sistematicamente prejudicado e perseguido pelos erros dos árbitros. Há quem passe para fora a ideia – criada há séculos – que “o sistema” está enviesado e que os grandes rivais são estrategicamente beneficiados. Há quem se dê até ao trabalho de andar de calculadora na mão a fazer contas dos “pontos da verdade”, como se a verdade dependesse apenas de uma variável, quando assenta em tantas outras.

Agora digam-me: se os meus amigos consideram-se pessoas inteligentes… como é que é caem nisso?

Da minha parte, confesso. Já não há pachorra para tanta treta. Desculpem, mas não há.

GUALTER FATIA

Estamos a entrar em 2020 e a lengalenga é exatamente igual à de 1980. Quarenta anos (!!) de mais do mesmo.

Mudaram os meios e os atores, entraram uns e saíram outros, mas a pequenez do discurso manteve-se inalterável. Arrrgghhh!

O futebol cresceu e evoluiu, a indústria modernizou-se, as estruturas profissionalizaram-se, a qualidade do produto explodiu… e o raio do ruído é o a mesma de sempre.

Até quando é que temos que levar com isto?

Ouçam o que eu vos digo, por favor: ninguém é prejudicado deliberadamente! Ninguém é perseguido estrategicamente! Ninguém é lesado propositadamente!

Não há complôs para beneficiar uns e prejudicar outros. Não há esquemas maquiavélicos para entregar o título a uns e tirar a outros. Não há fantasmas, não há perseguições, não há agenda própria. O que há são sótãos sombrios em vez de almas bondosas. O que há são tentativas recorrentes de vos dar a volta à cabeça.

Os erros a que muitos se referem, de facto, existem. Não todos (nem metade), mas alguns existem sim. E existem como resultado de um cocktail que, em alta competição, é explosivo: aquele que resulta da mistura da inexperiência com a incompetência.

De facto, há demasiada incompetência no atual quadro de árbitros, sobretudo porque tem agora todas as condições e meios para fazer muito mais e muito melhor. Portanto, se quiserem abordar a questão de forma didatica e séria, façam-no nessa perspetiva, porque fazem-no muito bem.

Agora, por favor, párem de vender a mentira que os rotula, direta ou indiretamente, de profissionais desonestos, de pessoas dependentes ou de agentes subservientes. Além de todas as outras, isso tem hoje consequências pesadíssimas nas suas vidas pessoais. Não é justo!

É bem verdade que a arbitragem tem um longo caminho a percorrer para chegar ao patamar que se deseja e não é menos verdade que a exigência sobre ela deve ser grande, mas acreditem, em matéria de caráter e dignidade, o desafio que o futebol enfrenta é bem maior.

Sejamos honestos: não são os árbitros que continuam a afastar-se da realidade europeia, no que diz respeito à competitividade desportiva e à saúde financeira. São os clubes e o futebol português.

AFP CONTRIBUTOR

Não são os árbitros que insistem em olhar para o umbigo, em vez de olhar para o todo, para o bem maior.

Não são os árbitros que atuam como se o campeonato se jogasse com uma só equipa, ignorando ou conflituando com todas as outras.

Não são os árbitros que vêm os adversários como inimigos e a crítica como declaração de guerra.

Não são os árbitros que têm a visão estratégica toldada pela egoísmo e pela incapacidade em pensar além do próprio perímetro.

Não são os árbitros que falham ao efetuar contratações duvidosas (e dispendiosas) nem são eles que cometem equívocos táticos ou más opções estratégicas durante o jogo.

Não são os árbitros que têm culpa da maioria dos estádios estarem quase sempre vazios.

Não são os árbitros que têm culpa que os clubes dependam, em demasia, das transmissões televisivas, não encontrando meios alternativos de crescerem a outros níveis.

Não são os árbitros que andam de costas voltadas com os adeptos.

MIGUEL RIOPA

Não são os árbitros que passam a vida a criticar a gestão da sua própria equipa.

Não são os árbitros (até hoje, 11. Dez. 2019) que se vão sentando, à vez, no banco dos réus, por alegadas condutas ilícitas.

Não são os árbitros (até hoje, 11. Dez. 2019) que têm estado envolvidos em escândalos de apostas ou em viciação de resultados.

Não são os árbitros (até hoje, 11. Dez. 2019) que são arguidos em processos menos claros e pouco abonatórios.

Não são os árbitros que ameaçam e batem nos jogadores da sua própria equipa.

Não são os árbitros que põem dinheiro na conta de dirigentes para os tentar expor como corruptos nem foram eles que invadiram centros de treino ou andaram a atropelar adeptos na rua.

Os árbitros erram nas avaliações que fazem em campo, mas não são os culpados de haver gente mal-formada no futebol em Portugal.

Portanto, vamos lá deixar de achar que toda a gente come gelados com a testa e vamos começar a tratar as pessoas como seres inteligentes e pensantes.

Fica o desafio sincero: mudem de estratégia, porque tudo o que impulsiona o conflito e alimenta a suspeição, afasta-nos do lugar onde queremos e merecemos estar. Joguem limpo fora de campo, porque lá dentro toda a gente dá o litro.

Sejam genuínos no discurso. Sejam educados, tenham respeito por quem vos segue e admira, não ofendam o futebol com menoridades.

Não pode valer tudo. Mostrem-nos a vossa grandeza e o vosso caráter.

O futebol português precisa de vocês no vosso melhor. Precisa da vossa visão, do vosso talento e da vossa capacidade de organização e gestão. Orientem o discurso e a tática para as coisas que verdadeiramente importam: as coisas boas.

Tentem brilhar, cá fora, como muitos outros brilham lá dentro.

Não pode ser assim tão difícil, caramba.

 

Artigo publicado na Tribuna Expresso

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