Tenho meia dúzia de amigos, amigos daqueles a sério, que têm uma paixão desmesurada pelos clubes do seu coração. Uns mais, outros menos, mas três deles então são aquilo a que posso chamar de “indefectíveis”.
Estamos a falar de autênticos fiéis. Tipos com lugar cativo, que vão aos jogos todos e que acompanham a equipa para todo o lado.
É gente boa, eu atesto. Bons chefes de família, grandes profissionais nas suas áreas e malta que vai à bola sem levar soqueiras, bastões ou lança-mísseis.
Às vezes, claro, há um ou outro que explode e lá me manda uma mensagem a barafustar: “O teu amigo é um grande ladrão!!”. Eu encaixo e sorrio. Sei que é só o coração a falar. O balão esvazia rapidamente.
Mas o António, o João e o Zé são a minha referência quando quero pensar na forma como a maioria dos adeptos vê e sente o futebol, em Portugal.
Está mais que visto que a nossa não é uma cultura de desporto enquanto espetáculo, é uma cultura de clube enquanto religião. Aquela rapaziada não tem adversários, tem alvos a abater. Não tem rivais, tem inimigos de estimação. Para eles ganhar é bom mas o melhor mesmo é que os do lado percam.
Estamos a falar de malta que se queixa do penálti mal assinalado um minuto depois de ter um a favor que não era. Malta que chama “caceteiro” ao craque do rival, quando tem um pior no onze da sua equipa. Malta que refila do fora de jogo depois de marcar um golo com o avançado adiantado meio metro.
Adoro-os mas não tenho vacina que lhes cure a maleita. É uma questão de formatação e, nesta matéria, estes são um caso perdido. São as vítimas perfeitas da paixão exacerbada, agora alimentada por máquinas que lhes enchem o cérebro de fantasia, convencendo-os que o sistema conspira contra si. Eles ouvem e, hipnotizados, acreditam. Burros.
O João consegue ir ao ponto de jurar que o erro do árbitro rebentou o jogo que ele perdeu por causa de um auto-golo do seu central! O António queixa-se do vermelho por exibir depois do seu trinco dar porrada durante noventa minutos! O Zé não pára de dizer que é sistematicamente roubado pelas arbitragens, depois de ser beneficiado três jornadas seguidas!
Nem é uma questão de ter lata (ou falta dela). É o que é. O futebol ao contrário. O futebol no “Portugal dos Pequeninos”.
Eles, coitados, não sabem ser diferentes. Não conhecem outra forma de sentir admiração pelo clube. Acreditam piamente que há mérito absoluto em cada vitória e perseguição constante a cada derrota.
Gostava que percebessem que os erros de arbitragem que ontem os prejudicou, amanhã vai beneficia-los. Gostava que entendessem que uma má decisão de um árbitro não é diferente de um mau atraso de um defesa. Gostava que soubessem que uma avalição errada não é mais determinante que um expulsão evitável ou que um “frango” do tamanho do Evereste.
A verdade é que o António, o João e o Zé nunca viveram o jogo em campo. Moram numa realidade diferente da terrena. Amam algo que não conhecem, que nunca sentiram na pele. Não seria de esperar que pensassem diferente… mas é pena. Têm tudo menos a racionalidade que precisam.
Artigo publicado no Jornal A Bola