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Há dias assim…

Há dias assim…

Há dias assim, em que os penáltis nos jogos dos grandes não são a coisa mais importante do universo.

COLIN MCPHERSON

Spoiler: o espírito natalício apoderou-se deste infame cronista. O artigo que se segue está disponível na “Secção Lamechas” de qualquer loja de conveniência que venda romantismo às paletes. Há dias assim, em que os penáltis nos jogos dos grandes não são a coisa mais importante do universo. Temos pena.

“O colégio da minha filha fica paredes-meias com um lar de idosos. A ideia, concebida propositadamente, é genial porque permite que os mais pequenos possam conviver, pontualmente, com os mais velhos. As vantagens dessa ligação são tão evidentes que, acho eu, dispensam qualquer explicação racional.

Não raras vezes, a Beatriz (é assim que se chama o pequeno centro do meu mundo) chega a casa com histórias encantadoras: um destes dias, contou-nos que houve uma senhora que fez 103 anos e que teve direito a uma festa de arromba: os “parabéns” foram cantados, em alto e bom som, por miúdos e graúdos. Foi memorável!

Poucas semanas antes tinha também partilhado a história dos dois mais famosos residentes daquela casa de repouso: um pai e a sua filha. Ele terá uns cem, cento e poucos anos, ela andará muito perto dos oitenta. A parte mais gostosa é que ele continua a chamar para si toda a responsabilidade de papá, tal o carinho que nutre pela sua “bebé”. A sua bebé de sempre.

Diz quem vê que é uma delícia. Eu acredito.

A dimensão humana destes testemunhos, partilhados pela voz inocente da minha filhota, colocam-me perante a questão filosófica de tentar perceber aquilo que é mais ou menos importante nas nossas vidas.

Para mim, este exercício – mais romântico do que realista (não digam que eu não avisei) – faz todo o sentido, sobretudo se tivermos em linha de conta que, nos dias de hoje, a tendência é permitirmos que a nossa atenção seja canalizada, quase sempre, para o que é acessório e não para o que é essencial.

A verdade verdadinha é que passamos mais tempo a tentar resolver problemas sem importância do que a focarmos nas coisas maiores da vida.

Andamos a mil, dormimos pouco e comemos mal. Chateamo-nos com burocracias inconsequentes e com coisas fúteis.

Parece que andamos sempre a correr atrás de qualquer coisa que nunca conseguimos apanhar. Queremos sanar conflitos pontuais (com os outros e connosco) e entramos discussões estéreis, das quais nos arrependemos segundos depois.

Deixamos que a boca diga o disparate que o coração atira sem ouvirmos a voz que a razão aconselha. É uma tortura.

No meio desse turbilhão de minudências, permitimos que as coisas palermas, as mais pequenas, ganhem terreno às outras. Às grandes. Às que mais importam.

Parece que vivemos ao contrário. Do avesso. De pernas para o ar. A parte mais estúpida desta lógica é que, com isso, gastamos segundos valiosos. Segundos que jamais se repetirão. Não é que sejamos burros. Apenas agimos como tal grande parte das vezes.

Solução? Parar. Parar para respirar e para pensar. Para pensar com calma e com distância.

As coisas devem ter a dimensão que têm. Nem mais nem menos.

Pagar contas, resolver dramas, discutir com os outros, faz parte. Comentar diabruras dos políticos, criticar o que está errado, chamar nomes ao árbitro… também.

Viver sem esbracejar, barafustar ou refilar não é viver com emoção. O inconformismo, a insatisfação, a discussão, são armas poderosas da evolução. Certo. Tudo certo.

Mas tudo isso tem que ser enquadrado, porque só tem a importância que tem. E perante a forma como eu vejo a vida quando ouço as histórias que a minha filha conta… isso ou vale pouco ou não vale nada.

Viver a sério não é viver assim, nessa azáfama angustiante e desgastante. Nesse corre, corre sem parar.

Viver a sério é saborear o tempo com tempo. É partilhar, é dar, é saber ouvir.

Viver a sério é passar mais tempo com os nossos, é respirar fundo, é estar com pessoas leves, boas e arejadas.

Viver a sério é ser educado, gentil e tolerante. É ajudar o próximo sem esperar que o próximo retribua. É doar em anonimato. É viajar pelo mundo, mesmo que a única viagem que possamos fazer seja a do mundo dos nossos sonhos.

Viver a sério é saber que os mais novos, como os da escola da Bea, têm tempo para dedicar aos mais velhos, os do lar ao lado.

O resto não é bem viver. É inspirar e expirar. É sobreviver. E não é suposto ser assim, pois não?

PS – Para a semana volto ao VAR, às expulsões e às decisões polémicas. Só para perceberem que a insanidade pontual ficou curada. Por enquanto.

Artigo publicado na Tribuna Expresso 

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