Na década de oitenta, o futebol inglês estava nas ruas da amargura. O drama ocorrido em Heysel Park (em 1985), na final dos Campeões Europeus (os hooligans do Liverpool foram depois responsabilizados), deixara marcas profundas na imagem do desporto-rei em terras de sua majestade. Balanço: quase quarenta mortos.
Se as coisas estavam mal, ficaram muito piores com a tragédia ocorrida depois, em 1989.
Numa das meias-finais da Taça de Inglaterra, uma grupo de adeptos do Liverpool forçou a entrada no estádio de Hillsborough, um dos mais modernos do país à época. A superlotação, aliada à evidente falta de sinalização, acabou por provocar o esmagamento de vários adeptos.
As grades, que na altura existiam e separavam o relvado das bancadas, acabaram por revelar-se fatais. Noventa e seis pessoas morreram esmagadas.
As autoridades britânicas decidiram reagir e com mão de ferro, segundo… a Dama de Ferro.
A pedido da Sra Thatcher, o magistrado Peter Taylor foi encarregado de preparar um relatório minucioso sobre a tragédia. Um ano depois, chegava a uma grande conclusão: o futebol inglês precisava de “uma transformação radical“. A culpa tinha sido não só dos adeptos, mas também da inação policial, da falta de condições de alguns estádios e da organização da competição.
Segundo Taylor – que fez quarenta e três recomendações para mudar o rumo dos acontecimentos -, o comportamento e a segurança da multidão, dentro dos estádios, estavam diretamente relacionados com a qualidade das acomodações e das instalações.
A partir da tragédia de Hillsborough, foram construídos trinta estádios e centenas de outros sofreram profundas remodelações.
Os terraces – na altura o local mais alto da plateia, espaço de eleição para hooligans – foram substituídos por zonas mais reduzidas, com assentos.
Os estádios das equipas profissionais passaram a ter cadeiras, para que todos os espectadores passassem a ver os jogos sentados. Isso levou a uma diminuição de fãs em cada jogo (por questões de segurança), mas diluiu substancialmente a probabilidade de confrontos.
Aliada à reforma total dos estádios – que impôs ainda o fim dos fossos, a proibição de venda de álcool, a facilitação dos acessos e a melhoria nas sinalizações – foi também criada uma forte política de prevenção da violência.
A polícia passou a identificar todos os potenciais arruaceiros, previamente.
Todas as equipas inglesas foram obrigadas a instalar, nos seus estádios, sistemas de monitorização, através de vídeo-vigilância. Com essa medida, dispendiosa mas inevitável, as autoridades fizeram uma autêntica limpeza dos adeptos mais violentos. Um a um.
Além disso, a polícia foi substituída por “stewards”, civis treinados para manter a ordem, que davam um ar mais apaziguador e menos repressivo perante os adeptos. A medida colheu e ainda hoje é aplicada nos quatro cantos do globo.
Com essas medidas, assim que um hooligan era identificado como tal, seria retirado do estádio. Aos poucos, a tradicional pancadaria entre forças policiais e adeptos foi substituída pelo discreto empenho dos serviços de inteligência.
Hoje em dia, continua a haver um oficial destacado para estudar o comportamento dos adeptos de cada clube profissional inglês. Ele identifica, vigia e atua sobre aqueles que são potencialmente mais perigosos.
A ideia de ter um cartão de identidade do adepto fracassou porque, na altura, os recursos informáticos eram escassos e muito básicos. Hoje já não é assim e essa é uma das medidas que vale a pena equacionar (aliás, já defendida no parlamento pelo Presidente da FPF).
Quando não consegue evitar problemas, a justiça inglesa resolve-os bem: os adeptos criminosos não vão aos jogos e alguns são/foram banidos para sempre.
Além disso e em função dos crimes, podem ter de se apresentar na esquadra da residência em dia de jogo ou entregar o passaporte, quando o seu clube joga no estrangeiro. Quem falha… é preso. Simples.
Quanto a tudo o resto (e infelizmente é quase tudo), nada que não se saiba: sensibilização contínua para que os responsáveis se respeitem e atuem com ética e Fairplay e depois… mão pesada. Muito pesada. Tolerância zero – desportiva e criminal – a toda a ilegalidade e à manifesta falta de ética.
O futebol é um espaço onde só podem caber pessoas íntegras, que defendem as suas “cores” com profissionalismo e honestidade.
Quando nos perguntamos o que podemos fazer para mudar as coisas por cá, é muito simples: copiar casos de sucesso que existem aqui e ali. Os alemães e espanhóis já o fizeram e, como se vê, não se deram mal.
FPF, Liga e Governo têm agora, mais do que nunca, total legitimidade para atuar em conjunto e em total sintonia, de forma clara e efetiva. O mais importante dos jogos precisa de ser um espaço seguro para todos.
Parece difícil mas não é…